Gertrudes Altschul – Uma Mulher Moderna

Isabel Amado Fotografia e Galeria da Gávea
[Galeria da Gávea | R. Marquês de São Vicente 432 | Rio de Janeiro - RJ]
25 de março a 19 de maio de 2023


Dona de um trabalho fortemente autoral, em que se destacam fotografias de botânica e da arquitetura moderna brasileira, Gertrudes Altschul (1904-1962) é tema pela primeira vez de uma exposição individual no Rio, na Galeria da Gávea, com abertura em 25 de março.

Foram selecionadas 54 fotografias para a mostra: São 43 fotografias vintage (originais da época), em gelatina e prata sobre papel, ampliadas pela própria Gertrudes nos anos 1950, e 11 fotografias de edição, ampliadas (cada uma com tiragem de dez unidades) a partir dos negativos originais.

Elas giram em torno de três eixos: o registro da arquitetura moderna brasileira, em que sombras e ângulos inusitados, de baixo para cima, ajudam a compor figuras com forte rigor geométrico, num período em que São Paulo, onde ela morava, passava por um boom desenvolvimentista; a botânica, que ela fotografava frequentemente com ângulos muito fechados, fazendo com que os veios das folhagens se aproximassem de uma abstração gráfica – a foto Filigrana é o melhor exemplo; e, ainda, imagens que retratam um universo cotidiano, com crianças na rua, pequenos comerciantes e um salva-vidas na praia.

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Gertrudes nasceu em Berlim, em 1904, com o nome Martha Gertrud Leszczynsk. Ela e o marido Leon Altschul, com quem se casou em 1928, cruzaram o Atlântico em direção ao continente americano cumprindo a mesma rota de milhares de judeus fugidos do nazismo, chegando em 1939 em São Paulo.

Ernst, que tem 93 anos e ainda vive em São Paulo, guardou todo o material da mãe depois da sua morte, em 1962. Foi a ele que a curadora Isabel Amado recorreu depois de se deparar com o trabalho de Gertrudes quando, em 2013, pesquisava sobre o Foto Cine Clube Bandeirantes – uma associação de fotógrafos fundada em 1939, considerada um dos berços da fotografia moderna brasileira. Ernst lhe concedeu a guarda das fotografias em troca da conservação e difusão do acervo. Isabel tem exclusividade na gestão do acervo e comercialização das obras da artista.

"Havia outras mulheres no Foto Cine Clube Bandeirantes, mas muitas estavam lá como parceiras de seus maridos. Gertrudes, não. Estava por conta própria", observa Isabel. "O interesse dela no foto clube era um interesse artístico, de expressão pessoal, mas era também uma questão social. O foto clube era formado por uma maioria de estrangeiros, fugidos da guerra, que viam ali uma oportunidade de socialização."

Gertrudes foi admitida oficialmente como associada do FCCB em 1952, e passou a participar de exposições coletivas, salões de fotografia e ainda da 2ª Bienal de Arte de São Paulo, em 1953, quando o Foto Cine Clube Bandeirantes teve uma sala com o trabalho de seus associados. Em 1996, uma foto sua ilustrou a capa do livro A fotografia moderna no Brasil, de Helouise Costa e Renato Rodrigues, a mais importante referência no estudo da fotografia no período de 1940 a 1960.

Foi apenas em 2015 que Gertrudes ganhou sua primeira individual, organizada por Isabel Amado na Casa da Imagem, importante espaço de fotografia em São Paulo. A mostra provocou interesse instantâneo pela obra da fotógrafa, inclusive da curadora do Departamento de Fotografia do Museum of Modern Art (MoMA) de Nova York, Sarah Meister. No ano seguinte, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – MASP incorporou à sua coleção 12 fotografias da artista. O MoMA, depois das negociações iniciadas em 2015, adquiriu para a sua coleção dez fotografias vintage de Gertrude que haviam sido exibidas na mostra Making space: women artists and postwar abstraction, em 2017.

Em 2021, as fotografias de Gertrudes integraram a exposição do MoMA Fotoclubismo: Brazilian modernist photography and the Foto Cine Clube Bandeirante 1946-1964, com curadoria de Sarah Meister e Dana Ostrander. A National Gallery of Art, em Washington, também incluiu Gertrudes na exposição e no catálogo The new woman behind the camera, de 2021, em que há apenas mais uma brasileira, Alice Brill. No mesmo ano, o MASP realizou a exposição Filigrana, com curadoria de Adriano Pedrosa e Tomás Toledo.

fotos:Alexandre Savino

Instalação concebida exclusivamente para essa exposição a partir da fotografia “Teia” de Gertrudes Altschul


Gertrudes Altschul: Pequenos Formatos

Isabel Amado Fotografia e Luciana Brito Galeria
[Luciana Brito Galeria]
16 de outubro de 2021 a 29 de janeiro de 2022



Gertrudes Altschul é sem dúvida pioneira na consolidação da fotografia moderna no Brasil. Prestes a completar 60 anos desde sua morte, em 1962, a artista além de ser um dos destaques da exposição Fotoclubismo: Brazilian Modernist Photography, 1946-1964, que atualmente acontece no Museum of Modern Art (MoMA-NY), apresenta a exposição Filigrana, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), a maior individual já realizada sobre sua obra. Neste contexto, a Luciana Brito Galeria, juntamente com Isabel Amado Fotografia, parceira e representante exclusiva das obras da artista, apresentam a mostra Gertrudes Altschul: Pequenos Formatos, como parte do programa “Artista Visitante”. Reunindo mais de 35 fotografias inéditas e originais (vintage) da artista, pequenas ampliações realizadas entre 1948 e 1960 recém-descobertas pela família, a mostra traça um panorama condizente com a importância da produção da artista e estabelece um diálogo direto com a arquitetura modernista da antiga residência projetada por Rino Levi.

De origem judaica, fugindo do Regime Nazista e do antissemitismo alemão, Gertrudes desembarcou no Brasil com a família, estabelecendo-se em São Paulo, em 1939. A fotografia desde então passou a estar presente na vida da artista, seja nos registros do dia a dia, seja para auxiliar com os moldes de criação da fábrica da família, de flores ornamentais para chapéus e adereços. No final da década de 1940, Gertrudes aproximou-se do Foto Cineclube Bandeirante, que reunia os protagonistas da fotografia moderna no Brasil, tornando-se uma das poucas mulheres associadas. Juntamente com Geraldo de Barros, German Lorca e Thomaz Farkas, a artista passou então a trabalhar em consonância com as pesquisas experimentais da Escola Paulista de Fotografia, pensando a fotografia como meio de expressão artística.

Dona de uma habilidade artística genuína, Gertrudes era perita na capacidade de sintetizar, seja na captura do seu objeto pelo olhar, seja pela facilidade com a edição, processo este que se tornou determinante na sua dinâmica de criação e produção. A partir da fotografia realizada com uma Câmera Rolleiflex, cujos negativos eram maiores e mais propícios para experimentação, a artista já definia um recorte retangular específico a partir da imagem quadrada 6 x 6 original da câmera. Era por meio da manipulação dos ângulos que ela conseguia selecionar o que mais lhe interessava e potencializar os aspectos gráficos da imagem. Gertrudes também era adepta da criação utilizando-se da técnica do fotograma, um processo de gravação da imagem durante a ampliação, do qual o posicionamento de objetos sobre o papel fotográfico e a incidência de luz direta, permitia explorar ao máximo as formas originais dos objetos, cujos resultados podem também ser vistos na exposição.

Em sua produção, a cidade de São Paulo, então em pleno crescimento geográfico, econômico e cultural, tornou-se o cenário perfeito para os experimentos fotográficos, por meio de um particular interesse pela arquitetura moderna e industrial, que entrava num intenso processo de verticalização com os novos empreendimentos mobiliários. Sob o ângulo de Gertrudes, a arquitetura e os espaços urbanos, dessa forma, ganham destaque pelos seus detalhes, onde o enquadramento mais fechado transforma o referencial em abstração geométrica. A obra Concreto abstrato, parte da exposição e considerada uma das principais obras da fotografia moderna no Brasil, é um bom exemplo de desconstrução do objeto a partir do enquadramento, resignificando-o dentro da estética construtivista, então em voga no Brasil na década de 1950.

Outro aspecto marcante em sua pesquisa, e único dentro do conceito modernista da época, foi a utilização de folhagens naturais e motivos botânicos em seus experimentos com a fotografia. Os padrões orgânicos e geométricos, típicos da vegetação brasileira, direcionavam o olhar de Gertrudes, que conseguia potencializar seus atributos naturais e padrões geométricos através da dramaticidade natural da luz e da perspectiva. Respeitando este conceito, a obra Filigrana, que pode ser vista na exposição, está entre as dez fotografias mais importantes da modernidade em todo o mundo, de acordo com a curadora do MoMA-NY e pesquisadora norte-americana, Sarah Meister.


obras selecionadas