Com a constante evolução e a compreensão do papel da fotografia brasileira no escopo geral das artes contemporâneas, seu impacto histórico e de linguagem, começou a se tornar premente a chegada de um profissional que reunisse não só a expertise da fotografia no circuito das artes visuais, mas que tivesse o conhecimento necessário para avaliar seu peso, determinar seu valor, sua inserção histórica e ajudar na catalogação de tudo.
Para a carioca Isabel Amado, galerista, marchand, colecionadora e expert (nascida no coração do Leblon, no Rio, em 20 de julho de 1963), a responsabilidade desse encargo veio naturalmente. Ela chegou a São Paulo em meados dos anos 1980. Tinha só 24 anos e calhou de ir trabalhar simplesmente em uma instituição referencial da fotografia: a Galeria Fotoptica, fundada por Thomaz Farkas (1924-2011), precursora das galerias de fotografia do Brasil.
Defensor do que chamava de uma “visão essencial” da linguagem fotográfica, Thomaz Farkas buscava criar um ambiente mais fértil para o estabelecimento de novos artistas. O colecionismo em fotografia no Brasil é muito recente, tem pouco mais de 10 anos. O intuito da Fotoptica de Farkas era não apenas difundir e desenvolver a linguagem fotográfica dos autores, mas também fomentar a valorização de mercado.
A partir de 1988, trabalhando diretamente com Farkas, que nutria grande paixão pela imagem, a jovem Isabel Amado acabou assimilando as qualidades que ajudariam a torná-la a multifacetada profissional de hoje. A empresa de Farkas destinava parte expressiva de sua verba de marketing para a galeria de fotografia, que não dava dinheiro e tinha primordialmente a intenção de fomentar a linguagem fotográfica. Ali, além do trabalho na galeria, havia ainda uma pequena livraria, a única especializada em livros de fotografia no Brasil, aquisições do velho Farkas.
Tudo aquilo terminou por se tornar a universidade de Isabel. “Ela acabou ajudando a formar várias coleções. Em parceria com Iatã Cannabrava pesquisaram o trabalho de artistas que as próprias famílias não davam valor e trouxeram à luz contribuições importantíssimas”, afirma João Farkas, fotógrafo, filho de Thomaz e amigo de Bel Amado há mais de 30 anos.
Entre 1988 e 1997, quase uma década, Isabel Amado realizou 74 exposições de alguns dos principais fotógrafos brasileiros, entre eles Antonio Augusto Fontes, Bob Wolfenson, Claudia Jaguaribe, Christian Cravo, Claudio Edinger e Rubens Mano. Em todas as exposições que a galeria realizava, o fotógrafo expositor doava uma obra para o acervo da galeria como contrapartida. Às vezes, vendo o interesse genuíno de Bel, o fotógrafo acabava por presenteá-la com uma obra. Isso ocorreu com certa frequência, e ela começou a montar sua própria coleção pessoal (e, de certa forma, sua especialização futura), amealhando cerca de 100 obras.
Thomaz Farkas, empresário de ponta em seu métier, também tinha sido um dos fotógrafos mais jovens a integrar um clube exclusivíssimo da fotografia: o Foto Cine Clube Bandeirantes, aos 19 anos. A fotografia brasileira desse período é hoje um dos focos de colecionismo mais fortes da arte brasileira.
Esse recorte da fotografia brasileira tem seduzido pesquisadores e curadores do mundo todo por sua notável aproximação com a arte moderna e relação com escolas de vanguarda, como a Bauhaus, alemã. As imagens, em geral, mostram São Paulo em um momento de acelerada industrialização, com ousadas composições geométricas de formas urbanas e um visionário senso dramático.
Fascinada por esse período, ao qual chegou pela influência de Iatã Cannabrava, e que culminou com a aquisição pelo Masp – Museu de Arte de São Paulo, o mais importante do país, de 297 fotografias em regime de comodato em 2014, Isabel passou a investigar sua linguagem com sistemática e método.
Imersa na produção da época e em suas ramificações, Isabel Amado pôde desenvolver um notável trabalho de “revelação” de nomes. Em 2016, em contato com Sarah Meister, curadora de fotografia do MoMA – Museu de Arte Moderna de Nova York, Isabel Amado intermediou a venda de 28 trabalhos vintage do período para o museu norte-americano: os brasileiros Paulo Pires, José Yalenti, Ademar Manarini, Eduardo Salvatore, Gertrudes Altschul e o catalão Marcel Giró. A seguir, Isabel coordenou a comercialização de 12 fotografias modernas para a prestigiosa Tate Modern, de Londres.
Após deixar a Fotoptica, Isabel Amado passou, a partir de 1997, a coordenar o Departamento de Fotografia do MIS – Museu da Imagem e do Som de São Paulo, permanecendo até 2000. Foi um dos períodos de maior efervescência das linguagens audiovisuais em São Paulo, e o museu manteve a disposição de investir na experimentação.
Desde 2000, Isabel dirige a empresa Anima Montagem, baseada em São Paulo e especializada na organização e na manutenção de arquivos e acervos de fotografia. Além de toda essa atividade, Isabel Amado também criou e foi sócia da Galeria da Gávea, no Rio de Janeiro, em sociedade com a fotógrafa Ana Stewart, de 2009 a 2018. Atualmente faz a gestão do acervo de fotografia moderna da fotógrafa Gertrudes Altschul e dos fotógrafos Paulo Pires, Marcel Giró, Eduardo Salvatore, Mario Fiori e Ademar Manarini.
As vocações nos encontram muito cedo e nem sempre a gente sabe aonde nos levarão. Nos anos 1960, o avô de Isabel, o engenheiro Júlio de Barros Barreto, mantinha em sua casa no Leblon um escritório grande, cheio de máquinas fotográficas e um móvel com gavetões. Dois desses gavetões ficavam abarrotados de fotografias antigas, que o velho Júlio colecionava. Uma das diversões preferidas da pequena Isabel era descer todo o conteúdo do gavetão e ficar horas ali a examinar as fotos. Era um prenúncio do futuro. “Ao nos ensinar um novo código visual, as fotografias alteram e alargam nossas noções do que vale a pena olhar e sobre o que temos o direito de observar”, escreveu Susan Sontag em On Photography – não por acaso, uma das autoras que Isabel Amado mais aprecia.
Aprender também é compartilhar, e Isabel Amado tem feito isso desde sempre. A partir dos anos 1990, a marchand, curadora e expert tem participado de diversos grupos e festivais fotográficos, como as IV e V Semanas Paulistas de Fotografia (1990/1991); o Nafoto – Núcleo dos Amigos da Fotografia (1991/1997) e a Mostra Internacional de Fotografia (1996). Também criou e coordenou o 1º Leilão de Fotografia da Bolsa de Arte (2008) e os leilões do Festival Paraty em Foco de 2007 a 2012.
Além de participações no Festival de Fotografia de Tiradentes, em Minas Gerais, em 2014, e do Fórum Latino-Americano de Fotografia, em São Paulo, em 2015, Isabel também tem larga experiência como curadora: Fotografia Moderna 1940 – 1960 na Luciana Brito Galeria, São Paulo, 2019; Poder e Sufocamento, no MIS – Museu da Imagem e do Som, São Paulo, 2017; Kamado, de Julio Bittencourt, Galeria da Gávea, Rio de Janeiro; Paralelas e Diagonais, SP-Arte/Foto/2016; Uma Mulher Moderna, de Gertrudes Altschul, Casa da Imagem de São Paulo, 2015; Paulo, José e Ademar, Três Modernos, SP-Arte/Foto/2013, São Paulo; Marcel Giró Moderno, galeria Bergamin & Gomide, São Paulo, 2013; Ramos, de Julio Bittencourt, Galeria da Gávea, Rio de Janeiro, 2010; O Brasil dos Brasileiros, Santiago, Chile, 1997; Simbólico e o Diabólico, PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1996; Na fronteira dos sentidos, coletiva de mulheres fotógrafas no 2º Mês Internacional da Fotografia no Centro Cultural São Paulo, 1996, e En el nombre del padre, da renomada fotógrafa mexicana Graciela Iturbide, Galeria Fotoptica, São Paulo, 1993.
Isabel já tem método e o passa adiante: ministrando cursos como “O fascínio do colecionismo, princípios de conservação e o circuito da arte no universo da fotografia”, ela se dispõe a ajudar os profissionais a conhecer fundamentos básicos para começar ou desenvolver uma coleção de fotografia. É crucial, nesse esforço, encarar questões técnicas como escolha, avaliação de obras, análise da trajetória do artista, cuidados com conservação e expectativas futuras da coleção. Também é possível aprender a identificar suportes e conhecer os princípios de assinatura da obra (certificado de autenticidade, tiragem, identificação de autoria). No espírito do pensamento de Walter Benjamin, é preciso fazer o conhecimento circular, pois o autor que não ensina nada a alguém não ensina nada ao futuro.
[Texto de Jotabê Medeiros]